O CONSELHO TUTELAR NÃO REGISTRA B.O NA DELEGACIA?
Como prometido no texto anterior, hoje trago a vocês um esclarecimento sobre um ponto importante para que se possa entender o papel do Conselho Tutelar na defesa de crianças e adolescentes, quando aquele órgão recebe “denúncias’ que envolvam a prática de crimes contra as pessoas em desenvolvimento.
Abordo especificamente a ideia, propagandeada por alguns, de que o Conselho Tutelar não trabalha com casos que envolvam crimes contra crianças e adolescentes, devendo nesse caso remeter para o Ministério Público, vez que o art. 136, IV, do ECA, afirma como atribuição do Conselho Tutelar “encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente”.
Diante desse dispositivo, pensam alguns que o Conselho Tutelar não tem nenhuma atribuição em casos que crianças e adolescentes sejam vítimas de crimes. Que nesses casos compete ao Conselho Tutelar apenas encaminhar a criança e o responsável para a Delegacia de Polícia e encaminhar um relatório para o Ministério Público.
Esse posicionamento, com dissemos em artigo anterior postado nesse blog, é equivocado. Como demonstram os anteriormente, a Lei Federal n° 13.431/2017, chamada de Lei do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes Vitimas ou Testemunhas da Violência, todas as denúncias que envolvam crimes contra crianças e adolescentes devem ser encaminhadas para a Polícia, o Conselho Tutelar e o Ministério Público, para que cada um possa atuar dentro de suas atribuições para se garantir a proteção de crianças e adolescentes.
Isso porque o Conselho Tutelar, diante desses fatos, deve aplicar as medidas de proteção, previstas no art. 101, I a VI do ECA. Diante de uma situação que chega ao Conselho Tutelar, esse comumente instaura procedimento, realiza visitas, produz relatório, articula-se com os demais órgãos da rede de proteção e aplica as medidas protetivas. Num caso envolvendo crime, essa atuação não muda, pois a apuração criminal para efeitos de responsabilização fica a cargo da Autoridade Policial.
Agora imagine-se que em um determinado caso, o Conselho Tutelar tome conhecimento de um crime praticado contra criança e adolescente. Faz os encaminhamentos necessários e apenas aconselha a mãe para procurar uma Delegacia de Polícia. Não é o Conselho Tutelar obrigado a informar a notícia do crime à Autoridade Policial? Penso que sim.
Veja, o Conselho Tutelar tem como missão geral zelar pelos direitos de criança e adolescentes, previstos no ECA e em outras leis. Está lá expresso no art. 131 do ECA. Tem, portanto a responsabilidade de atuar para proteger as pessoas em desenvolvimento.
O Código de Processo Penal Brasileiro ( CPP), em seu artigo 5°, § 3° afirma que “qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.
Se qualquer pessoa, diante de um fato que constitua crime pode levar o fato para a Autoridade Policial, imagine o conselheiro tutelar que funciona como um agente de proteção às crianças e adolescentes. Ademais, o art. 13 da Lei 13.431/2017 informa que a obrigatoriedade de cada um que tenha conhecimento sobre crime contra crianças e adolescentes informarem aos órgãos de proteção essa notícia. Mais uma vez, se o cidadão comum está obrigado a comunicar à Autoridade Policial crimes contra crianças e adolescentes, imagine o conselheiro tutelar, agente de defesa de direitos humanos dessa categoria.
Não resta dúvida, portanto de que o conselheiro tutelar deve reportar à Autoridade Policial, pessoalmente ou por escrito, os casos de violência contra crianças e adolescentes de que tenham conhecimento durante sua atuação, para abertura de Inquérito Policial, registrando o fato pessoalmente ou encaminhando notícia escrita. Inclusive entendo ser possível o enquadramento da recusa de informação em eventual prática de crime de prevaricação ( art. 319 do Código Penal Brasileiro), vez que o conselheiro tutelar é equiparado a funcionário público para fins penais. ( art. 327 do Código Penal).
Mas e o art. 136, IV do ECA, que como dissemos diz que o Conselho Tutelar deverá informar ao Ministério Público a existência de crimes contra crianças e adolescentes ? Sim, essa atribuição permanece, não para que o MP requisite à Autoridade Policial a abertura de investigação, mas para que o Ministério Público possa adotar as medidas judiciais que o caso requer como a perda do poder familiar (art. 1638 CC) ou mesmo exercer o Controle Externo da Atividade Policial, ou ainda quando se tiver conhecimento de que o crime é praticado por uma Autoridade, como por exemplo, o Delegado local ( não dá para o Conselho denunciar ao Delegado o próprio Delegado né?
Essa atuação do Conselho Tutela, é claro, tem seus risco, é evidente. Mas todos que atuam em defesa de direitos humanos estão suscetíveis a esses riscos, então quem assume a função já deve saber desse ônus. O Conselho Tutelar é um órgão também de defesa, conforme classificação da Resolução n° 113 CONANDA, que regulamenta o Sistema de Garantia de Direitos, por isso mesmo deve se articular com os demais órgãos da rede de proteção.
Evidente, como dito, que o Conselho Tutelar não realiza investigação de crime, mas deve se articular com os demais órgãos para que aqueles que praticam crimes contra crianças e adolescentes sejam responsabilizados, noticiando o fato à Autoridade Policial e adotando as medidas de proteção, acionando-se inclusive o Ministério Publico, quando necessário a adoção de medidas judiciais.
Evidente ainda, que em todo caso o Conselho Tutelar deve agir sempre com prudência, parcimônia, para se respeitar os direitos de todos os envolvidos nas situações que o Conselho Tutelar, principalmente a criança ou adolescente, prioridade absoluta.
Lembremos ainda mais uma vez, o Conselho Tutelar é importante órgão de defesa, criado para desburocratizar o atendimento de crianças e adolescentes, por isso o Conselho Tutelar dever agir sempre de forma célere e resolutiva. Desse modo a comunidade reconhecerá o Conselho como um órgão importante na defesa de crianças e adolescentes.
José Claudeir Batista Alcântara
Especializando em Direito da Criança e do Adolescente.
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