Foi publicada a Lei Federal nº 14.344, de 24 de maio de 2022, denominada Lei Henry Borel, em homenagem ao menino que foi assassinado no Rio de Janeiro, pelo padastro, causando grande comoção nacional.
A lei cria e tipifica o crime de violência doméstica contra a criança e o adolescente e tem finalidade clara de preencher o vácuo de uma norma efetiva de proteção de crianças e adolescentes vítimas de violência, pois não se encontrava, no ordenamento jurídico, medidas judiciais ou administrativas claras de proteção, como ocorre em outras normas, que também se ocupam de um público vulnerável, como a Lei Maria da Penha.
Podemos dizer que finalmente, o direito penal está levando a sério a proteção de crianças e adolescentes, o que começou a ocorrer com a lei da escuta protegida (Lei Federal n° 13.431/2017), que se ocupou mais de regulamentar o procedimento de persecução penal, em relação aos meios de prova, em especial regulamentado o depoimento especial, no âmbito criminal e criando a escuta especializada na rede de proteção.
A Lei 14.344/2022 (quase mil leis depois da lei da escuta protegida), cria as medidas protetivas de urgência, de teor criminal a serem aplicadas em relação ao agressor (art. 20 da Lei) ou para proteger a vítima (art. 21).
Em outros artigos, nos debruçaremos mais sobre a lei, mas nesse artigo queremos apontar as implicações da lei em relação à atuação do Conselho Tutelar, o que passaremos a expor a seguir.
A Lei Henry Borel alterou o art. 136 do ECA, criando novas atribuições ao Conselho Tutelar, inserindo os incisos XIII, XIV, XV, XVI, XVII, XVIII, XIX e XX. Até o momento não foram compiladas no ECA pelo site do planalto, pois a Lei Henry Borel somente entrará em vigor no prazo de 45 dias de sua publicação).
Em especial chamam a atenção os incisos XV, XVI, XVII e XX, reproduzidos abaixo:
XV - representar à autoridade judicial ou policial para requerer o afastamento do agressor do lar, do domicílio ou do local de convivência com a vítima nos casos de violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente;
XVI - representar à autoridade judicial para requerer a concessão de medida protetiva de urgência à criança ou ao adolescente vítima ou testemunha de violência doméstica e familiar, bem como a revisão daquelas já concedidas;
XVII - representar ao Ministério Público para requerer a propositura de ação cautelar de antecipação de produção de prova nas causas que envolvam violência contra a criança e o adolescente;
XX - representar à autoridade judicial ou ao Ministério Público para requerer a concessão de medidas cautelares direta ou indiretamente relacionada à eficácia da proteção de noticiante ou denunciante de informações de crimes que envolvam violência doméstica e familiar contra a criança e o adolescente.
O inciso XV confere ao Conselho Tutelar poder/capacitar para pedir, inclusive judicialmente, o afastamento de agressores contra criança e adolescente. Essa medida é semelhante à prevista no art. 130 do ECA, que deve ser ajuizada pelo Ministério Público ou legítimos interessados.
A a autoridade policial, não sendo o município sede de comarca, poderá afastar o agressor do lar, medida que será analisada posteriormente pela autoridade policial, conforme previsto no art. 14. Caso não haja delegacia de policia na cidade, a autoridade policial que tiver na cidade poderão fazê-lo, como no caso de policial militar.
O art. 16 da lei faz uma verdadeira revolução, ao legitimar o Conselho Tutelar a pedir judicialmente, medida protetiva de urgência à criança ou ao adolescente. São medidas que têm natureza protetiva, diversas das previstas no art. 101 do ECA, que são administrativas, quando aplicadas pelo Conselho Tutelar. As medidas protetivas de urgência tem natureza judicial, de conteúdo de direito criminal. Essas medidas estão elencadas no art. 21 da Lei Henry Borel.
Art. 21. Poderá o juiz, quando necessário, sem prejuízo de outras medidas, determinar:
I - a proibição do contato, por qualquer meio, entre a criança ou o adolescente vítima ou testemunha de violência e o agressor;
II - o afastamento do agressor da residência ou do local de convivência ou de coabitação;
III - a prisão preventiva do agressor, quando houver suficientes indícios de ameaça à criança ou ao adolescente vítima ou testemunha de violência;
IV - a inclusão da vítima e de sua família natural, ampliada ou substituta nos atendimentos a que têm direito nos órgãos de assistência social;
V - a inclusão da criança ou do adolescente, de familiar ou de noticiante ou denunciante em programa de proteção a vítimas ou a testemunhas;
VI - no caso da impossibilidade de afastamento do lar do agressor ou de prisão, a remessa do caso para o juízo competente, a fim de avaliar a necessidade de acolhimento familiar, institucional ou colação em família substituta;
VII - a realização da matrícula da criança ou do adolescente em instituição de educação mais próxima de seu domicílio ou do local de trabalho de seu responsável legal, ou sua transferência para instituição congênere, independentemente da existência de vaga.
§ 1º A autoridade policial poderá requisitar e o Conselho Tutelar requerer ao Ministério Público a propositura de ação cautelar de antecipação de produção de prova nas causas que envolvam violência contra a criança e o adolescente, observadas as disposições da Lei nº 13.431, de 4 de abril de 2017.
§ 2º O juiz poderá determinar a adoção de outras medidas cautelares previstas na legislação em vigor, sempre que as circunstâncias o exigirem, com vistas à manutenção da integridade ou da segurança da criança ou do adolescente, de seus familiares e de noticiante ou denunciante.
Chama a atenção a possibilidade de o Conselho Tutelar poder, em tese, requerer a prisão preventiva do agressor ( inciso II do artigo 21). Evidente que essa medida não poder ser requerida pelo Conselho Tutelar, apesar do que diz a lei, pois o art. 311 do Código de Processo Penal é claro, incumbindo tal pedido apenas ao Ministério Público, à autoridade policial, ao assistente de acusação e ao que querelante, nas ações penais de natureza privada.
Quanto às demais medidas, não vejo problemas em serem atribuídas ao Conselho Tutelar, pois que razoável que o CT, enquanto aquele mais próximo dos casos de violação de direitos de crianças e adolescentes, seja aquele que verifica a medida mais adequada, como o afastamento do agressor, podendo assim pedi-la.
As novas atribuições legais previstas pela lei Henry Borel ao Conselho Tutelar, no entanto, trazem algumas implicações as quais é importante chamar a atenção. A primeira, é a transformação do Conselho Tutelar é “órgão de segurança pública”, pois infelizmente, o autoritarismo da sociedade brasileira, tem o sonho de transformar o órgão CT em órgão de fiscalização da lei e da ordem, pois se vê comumente em algumas interpretações.
Não há como negar agora que o Conselho Tutelar terá um papel protetivo maior, participando do Sistema de Justiça Criminal, pois que pode solicitar medidas de natureza criminal, seja ao juiz, ao Ministério Público ou à autoridade policial, pois na sistemática anterior podia apenas comunicar fatos a esses órgãos.
Entretanto, será preciso cautela na utilização dessas medidas, pois o conselheiro tutelar, geralmente, não tem formação jurídica, sendo eleito pela comunidade e pode eventualmente ser responsabilizado no manejo de tais medidas.
Outra preocupação é com a própria segurança do conselheiro tutelar, pois com o poder de pedir medidas, como o afastamento do agressor, por exemplo, o conselheiro tutelar estará mais exposto a sofrer represálias, sendo o lado mais fraco do sistema, pois mora na mesma comunidade em que o agressor que sofrer as medidas judiciais ou policiais por ele.
Além disso, dos integrantes do sistema de justiça ( defendo, como dito que o conselheiro participa agora, lato sensu, do sistema de justiça criminal) é aquele que recebe a menor remuneração, geralmente um salário mínimo. Diante das novas atribuições, da precariedade do trabalho e da exposição a represálias, pode ocorrer o desestímulo da comunidade em compor o Conselho Tutelar.
Existem ainda outras dificuldades, de ordem técnica, a serem superadas, como a necessidade de inserir os conselheiros tutelares no sistema de petições eletrônicas do Poder Judiciário ( PJE), pois os eventuais pedidos de medida protetiva a serem feitos ao Juiz devem ser encaminhados eletronicamente, além da qualidade técnica dos documentos, que ensejarão conhecimento jurídico, mesmo que de natureza elementar.
Penso que a lei deveria ter sido melhor discutida em relação à atuação do Conselho Tutelar, apesar de ser uma lei que vem em boa hora para a proteção de crianças e adolescentes.
A lei tem vigência no prazo de 45 ( quarenta e cinco) dias de sua publicação, o que demandará a adaptação de todos para que ela seja colocada em efetividade. Vamos aguardar o que vão dizer nossos juristas e tribunais. Em breve, mais textos sobre essa importante lei.
José Claudeir Batista Alcântara
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