quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

 

O CONSELHO TUTELAR NÃO REGISTRA B.O NA DELEGACIA?


Como prometido no texto anterior, hoje trago a vocês um esclarecimento sobre um ponto importante para que se possa entender o papel do Conselho Tutelar na defesa de crianças e adolescentes, quando aquele órgão recebe “denúncias’ que envolvam a prática de crimes contra as pessoas em desenvolvimento.

Abordo especificamente a ideia, propagandeada por alguns, de que o Conselho Tutelar não trabalha com casos que envolvam crimes contra crianças e adolescentes, devendo nesse caso remeter para o Ministério Público, vez que o art. 136, IV, do ECA, afirma como atribuição do Conselho Tutelar “encaminhar ao Ministério Público notícia de fato que constitua infração administrativa ou penal contra os direitos da criança ou adolescente”.

Diante desse dispositivo, pensam alguns que o Conselho Tutelar não tem nenhuma atribuição em casos que crianças e adolescentes sejam vítimas de crimes. Que nesses casos compete ao Conselho Tutelar apenas encaminhar a criança e o responsável para a Delegacia de Polícia e encaminhar um relatório para o Ministério Público.

Esse posicionamento, com dissemos em artigo anterior postado nesse blog, é equivocado. Como demonstram os anteriormente, a Lei Federal n° 13.431/2017, chamada de Lei do Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes Vitimas ou Testemunhas da Violência, todas as denúncias que envolvam crimes contra crianças e adolescentes devem ser encaminhadas para a Polícia, o Conselho Tutelar e o Ministério Público, para que cada um possa atuar dentro de suas atribuições para se garantir a proteção de crianças e adolescentes.

Isso porque o Conselho Tutelar, diante desses fatos, deve aplicar as medidas de proteção, previstas no art. 101, I a VI do ECA. Diante de uma situação que chega ao Conselho Tutelar, esse comumente instaura procedimento, realiza visitas, produz relatório, articula-se com os demais órgãos da rede de proteção e aplica as medidas protetivas. Num caso envolvendo crime, essa atuação não muda, pois a apuração criminal para efeitos de responsabilização fica a cargo da Autoridade Policial.

Agora imagine-se que em um determinado caso, o Conselho Tutelar tome conhecimento de um crime praticado contra criança e adolescente. Faz os encaminhamentos necessários e apenas aconselha a mãe para procurar uma Delegacia de Polícia. Não é o Conselho Tutelar obrigado a informar a notícia do crime à Autoridade Policial? Penso que sim.

Veja, o Conselho Tutelar tem como missão geral zelar pelos direitos de criança e adolescentes, previstos no ECA e em outras leis. Está lá expresso no art. 131 do ECA. Tem, portanto a responsabilidade de atuar para proteger as pessoas em desenvolvimento.

O Código de Processo Penal Brasileiro ( CPP), em seu artigo 5°, § 3° afirma que “qualquer pessoa do povo que tiver conhecimento da existência de infração penal em que caiba ação pública poderá, verbalmente ou por escrito, comunicá-la à autoridade policial, e esta, verificada a procedência das informações, mandará instaurar inquérito.

Se qualquer pessoa, diante de um fato que constitua crime pode levar o fato para a Autoridade Policial, imagine o conselheiro tutelar que funciona como um agente de proteção às crianças e adolescentes. Ademais, o art. 13 da Lei 13.431/2017 informa que a obrigatoriedade de cada um que tenha conhecimento sobre crime contra crianças e adolescentes informarem aos órgãos de proteção essa notícia. Mais uma vez, se o cidadão comum está obrigado a comunicar à Autoridade Policial crimes contra crianças e adolescentes, imagine o conselheiro tutelar, agente de defesa de direitos humanos dessa categoria.

Não resta dúvida, portanto de que o conselheiro tutelar deve reportar à Autoridade Policial, pessoalmente ou por escrito, os casos de violência contra crianças e adolescentes de que tenham conhecimento durante sua atuação, para abertura de Inquérito Policial, registrando o fato pessoalmente ou encaminhando notícia escrita. Inclusive entendo ser possível o enquadramento da recusa de informação em eventual prática de crime de prevaricação ( art. 319 do Código Penal Brasileiro), vez que o conselheiro tutelar é equiparado a funcionário público para fins penais. ( art. 327 do Código Penal).

Mas e o art. 136, IV do ECA, que como dissemos diz que o Conselho Tutelar deverá informar ao Ministério Público a existência de crimes contra crianças e adolescentes ? Sim, essa atribuição permanece, não para que o MP requisite à Autoridade Policial a abertura de investigação, mas para que o Ministério Público possa adotar as medidas judiciais que o caso requer como a perda do poder familiar (art. 1638 CC) ou mesmo exercer o Controle Externo da Atividade Policial, ou ainda quando se tiver conhecimento de que o crime é praticado por uma Autoridade, como por exemplo, o Delegado local ( não dá para o Conselho denunciar ao Delegado o próprio Delegado né?

Essa atuação do Conselho Tutela, é claro, tem seus risco, é evidente. Mas todos que atuam em defesa de direitos humanos estão suscetíveis a esses riscos, então quem assume a função já deve saber desse ônus. O Conselho Tutelar é um órgão também de defesa, conforme classificação da Resolução n° 113 CONANDA, que regulamenta o Sistema de Garantia de Direitos, por isso mesmo deve se articular com os demais órgãos da rede de proteção.

Evidente, como dito, que o Conselho Tutelar não realiza investigação de crime, mas deve se articular com os demais órgãos para que aqueles que praticam crimes contra crianças e adolescentes sejam responsabilizados, noticiando o fato à Autoridade Policial e adotando as medidas de proteção, acionando-se inclusive o Ministério Publico, quando necessário a adoção de medidas judiciais.

Evidente ainda, que em todo caso o Conselho Tutelar deve agir sempre com prudência, parcimônia, para se respeitar os direitos de todos os envolvidos nas situações que o Conselho Tutelar, principalmente a criança ou adolescente, prioridade absoluta.

Lembremos ainda mais uma vez, o Conselho Tutelar é importante órgão de defesa, criado para desburocratizar o atendimento de crianças e adolescentes, por isso o Conselho Tutelar dever agir sempre de forma célere e resolutiva. Desse modo a comunidade reconhecerá o Conselho como um órgão importante na defesa de crianças e adolescentes.


José Claudeir Batista Alcântara

Especializando em Direito da Criança e do Adolescente.

quarta-feira, 3 de fevereiro de 2021

 

CONSELHO TUTELAR NÃO APURA “DENÚNCIAS”?





O caso de um menino de 11 anos resgatado pela Polícia Militar na cidade de Campinas, São Paulo, chocou o país A criança era mantida dentro de um barril de metal, presa pelos pés, mãos e cintura. De acordo com a reportagem a criança estaria nessa situação há um mês e estava em estado de magreza visível, coisa que se viu em campos de concentração nazista e em lugares em que a fome assola.

Chama atenção aqui o fato de que o Conselho Tutelar já vinha acompanhando o caso, acerca de um ano, como relatado pelo conselheiro tutelar entrevistado. Segundo ele, a família estaria sendo acompanhado pelo CREAS e que apesar dos maus tratos anteriores, nunca se cogitara de algo de tal gravidade. Até ai tudo, bem.

O problema ocorre quando a vizinhança, que denunciou o caso à Polícia, afirma que fez o mesmo ao Conselho Tutelar.

O conselheiro tutelar, por sua vez afirmou, que o órgão não investiga denúncias. (vamos entender aqui a denúncia como noticia de fato, aquele comunicado do ocorrido). O mesmo, ainda na fala, disse que iriam apurar se houve falha no atendimento.

Essa é uma afirmação recorrente que escuto de alguns conselheiros, que o Conselho Tutelar não é Polícia, que ele não investiga fatos, etc. Em parte, isso é verdade, como veremos. Mas não justifica a inércia diante de situações como essa.

Primeiro temos que entender algo: o Conselho Tutelar foi criado pelo ECA no contexto da mudança da doutrina da situação irregular para a doutrina da proteção integral com a finalidade de se desburocratizar o atendimento a crianças e adolescentes, que se encontravam concentrados nas mãos dos “juízes de menores”. Isso ocorreria porque se pressupõe que um órgão administrativo seja mais célere no atendimento, além do fato de que os Juizados se encontram geralmente em cidades sedes da atuação do Poder Judiciário, chamadas de comarcas e não em todas as cidades. Outro ponto importante, foi que o Conselho Tutelar funciona como um órgão em que a própria comunidade participa na proteção de crianças e adolescentes.

O Conselho Tutelar de fato não é órgão responsável para apuração de crimes previstos no ordenamento jurídico brasileiro, como no caso, em que se configura vários deles, como maus-tratos ( art. 136 do Código Penal ), cárcere privado ( art. 148 do Código Penal) e tortura ( Lei 9.455/97 ). A investigação criminal, para responsabilização dos responsáveis fica ao encargo da Policia Investigativa ( art. 144 da Constituição Federal). Isso, no entanto, não quer dizer que o Conselho Tutelar deve ao receber uma “denúncia “ desse tipo, ignorar o caso ou apenas remetê-lo para outros órgãos, como Polícia e Ministério Público. Afinal, a criança ou adolescente que sofre um crime não precisa apenas de Justiça( no sentido de que o culpado seja responsabilizado criminalmente), mas precisa também de proteção, e o Conselho Tutelar aplica as chamadas medidas protetivas previstas no art. 101, I a VI do ECA.

O próprio Estatuto da Criança e do Adolescente prevê, em várias passagens a obrigatoriedade de comunicação de maus tratos ao Conselho Tutelar (arts. 13, 56, I, 70-B, 94-A,). Além do ECA, a Lei 13.431/17 ( Lei do sistema de garantias de direitos de crianças e adolescente vítimas ou testemunhas de violência ) também afirma essa obrigatoriedade ( arts. 13 ). O artigo 15, II esclarece que as “denúncias” são encaminhadas ao Conselho Tutelar para aplicação das medidas de proteção.

Ora, para aplicar medidas de proteção o Conselho Tutelar deverá atuar, verificar a ocorrência da situação, acompanhar o caso, inclusive se articulando com a Polícia para juntos garantir a proteção de crianças e adolescentes. No mínimo, o Conselho Tutelar deveria ter acionado a Polícia que atuaria no flagrante e o Conselho Tutelar estaria de prontidão para adotar as medidas de proteção. Outra possibilidade seria a realização de uma visita para verificar as condições em que a criança se encontrava (e nesse caso da recusa de se mostrar a criança, acionar-se ia a Polícia).

A Polícia atuaria realizando o flagrante, e o Conselho Tutelar adotando as medidas de proteção. É o chamado trabalho integrativo, previsto no ECA (art. 70 – A, II ). Afirma-se, aqui que não se está julgando a atuação do Conselho Tutelar da cidade relatada, mas apenas fazendo uma análise a partir do caso concreto, do que a legislação prevê como atuação.

Muitos afirmam que o Conselho Tutelar não deve atuar, pois diante de fatos que indiquem infração penal devem encaminhar o caso para o Ministério Público, fazendo -se uma interpretação equivocada e acho até que desonesta do art. 136, IV do ECA. O Ministério Público por sua vez requisitaria a instauração de Inquérito Policial.

Esse tema será fruto de outro texto que farei, mas por enquanto, só para se verificar o absurdo, imagine-se se toda notícia de crime passasse primeiramente pelo Ministério Público para depois ser encaminhado para a Polícia, onde estaria a desburocratização e agilidade no atendimento de crianças e adolescentes tão sonhada pelo ECA? Além disso transformaria o Ministério Público num órgão de triagem de denúncias para a Polícia. Só por ai se vê a irrazoabilidade do entendimento.

Fico muito preocupado com interpretações negacionistas  de o Conselho Tutelar nesse tipo de caso e em outros. Primeiro por que não é o previsto na lei, depois por que o Conselho Tutelar fica fragilizado perante a sociedade, que passa a ter a impressão de que o órgão se trata de um “elefante branco”, ou seja, não serve para muita coisa, e quando um órgão perde a sua função social, perde também a razão de existir.

A razão principal é que nesse caso se trata de situação de risco. É verdade, mas todos os que atuam na proteção de direitos humanos vez ou outra devem saber que a atividade corre certos riscos. Por isso a necessidade de atuação em conjunto com outros órgãos, como polícia e Ministério Público.

Do exposto lógico que o Conselho Tutelar atua em casos de violência contra crianças e adolescentes e para isso deverá realizar alguma verificação da situação, principalmente por meio de uma visita inicial e havendo necessidade, deve acionar outros órgãos como a Polícia e o Ministério Publico. O Conselho Tutelar não fará é apuração criminal ( intimação do acusado, oitiva de testemunhas, etc) para responsabilizar os culpados, essa é função da Autoridade Policial. Em casos de flagrante o Conselho Tutelar deve atuar em parceria com a mesma.


José Claudeir Batista Alcântara

Especializando em Direito da Criança e do Adolescente.


Fonte:

https://www.bol.uol.com.br/noticias/2021/02/01/vizinhos-afirmam-que-pais-de-crianca-encontrada-em-barril-pareciam-gentis.htm